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segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Marcos Peres e o pedido de desculpas

Foto enviado pelo professor ao blog Pimenta na
Muqueca, solicitando que substitua a que
vem sendo utilizada.
O professor das disciplinas Sociologia da Educação e Estágio Supervisionado do Curso de Ciências Sociais, Marcos Peres, envolveu-se nos últimos dias em uma polêmica com contornos que talvez ele jamais imaginaria. Ao fazer crítica a determinadas músicas e danças apreciadas por parte dos baianos, disse numa rede social que as mulheres baianas dançam com "chimpanzé doido" o que causou revolta não apenas entre as pessoas comuns mas também na própria universidade, entre os acadêmicos. Este assunto, inicialmente abordado pelo site "Bahia online" repercutiu por vários outros meios de comunicação regional, estadual e até nacional. Nesta segunda- feira, o professor enviou um pedido de desculpas, comentando o post de um dos seus críticos, o jornalista Ricardo Ribeiro do blog Pimenta na Muqueca, texto também publicado no Bahia online. No texto o professor explica o uso do termo polêmico, critica o distanciamento dos acadêmicos das questões sociais, inclusive citando o próximo seminário de ciências sociais como algo feito apenas para a comunidade acadêmica sem a participação da sociedade e pondera: será que se utilizasse de palavras rebuscadas, ele chamaria a atenção para questão tão significativa? Segue o texto do professor:

Como os intelectuais podem atingir a massa? Aproximando-se dela e “massificando” suas palavras? Eis uma questão para se pensar...


Prezado Ricardo (Editor do Blog Pimenta na Muqueca),

Sinto termos nos conhecido nessa situação tão estranha e inusitada ou, no mínimo, polêmica. Ao ler sua nota “Nata além de infantilidade”, publicada no Blog Pimenta na Muqueca, percebi que o senhor se trata de uma pessoa de um humor refinado e inteligente, bem como de muita ponderação. Gostaria de parabenizá-lo por suas colocações. Mas permita-me somente observar e dar a minha opinião sobre alguns pontos destacados pelo senhor, e sobre a situação em tela.

Antes de qualquer coisa, gostaria de sincera e humildemente me desculpar com o povo baiano e nordestino, especialmente as mulheres. Estejam certos de que o meu intuito não foi nunca o de agredir, humilhar ou injuriar as baianas e nordestinas, e nem qualquer gênero, raça, etnia ou origem nacional/regional. Sabe-se que a linguagem de um povo é um aspecto muito importante na análise da Antropologia como ciência social. A língua, as palavras usadas, a simbologia presente nas práticas cotidianas, são elementos componentes no estudo de uma cultura. Os estilos da linguagem carregam a identidade de um povo. Para o antropólogo Clifford Geertz, a lingüística utilizada como recurso técnico da Antropologia Cultural analisa, entre outras coisas, os rituais, as metáforas, as figuras de linguagem e os tipos musicais que integram o cotidiano de um povo. Expressões utilizadas nessas reproduções ritualísticas da cultura são usadas de forma tão espontânea e natural pelo povo que estão naturalizadas, legitimadas e impregnadas no inconsciente coletivo. Por este motivo, impedem o “auto-estranhamento” e a “auto-análise” de suas práticas culturais. Ou seja, no jargão antropológico, isso é compreendido como a dificuldade que o ser humano tem de “ver o familiar como estranho”. Geertz, observando a briga de galos, percebe que certas expressões lingüísticas, mesmo ofensivas a um observador alienígena, são ditas naturalmente e sem constrangimento ou sem conflito algum pelo povo local. Porém, e curiosamente, estas mesmas palavras assumem um caráter ofensivo quando são pronunciadas por alguém “de fora” dessa cultura.

Tenho refletido sobre a situação ocorrida a partir dos meus pronunciamentos na rede social Facebook, sobre as danças e ritmos musicais mais veiculados atualmente aqui na Bahia (onde resido). Ao ser “de fora” (mas nem tanto, pois apesar de ser paulista de origem residi três anos na cidade de Mossoró, no Rio Grande do Norte, antes de vir para Ilhéus), talvez eu tenha observado uma “auto-depreciação” ou “auto-agressão” existentes nas práticas culturais cotidianas do povo baiano e nordestino, especialmente nas músicas de massa que hoje possuem mais popularidade aqui na região, como o arrocha, o pagode, o tecno-axé e o tecno-forró. De certo que o funk e o psy, tipos musicais mais freqüentes no sudeste-sul do país, também possuem expressões depreciativas e ofensivas, principalmente às mulheres, bem como movimentos de dança que são sexualmente apelativos e “exagerados”.

Contudo, confesso sem nenhuma demagogia, que nunca me interessei muito pelos ritmos funk e psy veiculados em São Paulo. Sabia da sua existência, mas não me incomodavam em nada e nem me atraiam curiosidade. Mesmo porque nunca os havia dançado. Preconceito intelectual? Talvez...

Porém, estranhamente, aqui no Nordeste, e, sobretudo, na Bahia, estes ritmos musicais de massa, análogos aos do Sudeste, tocaram-me ao ponto de eu me envolver, dançar e manifestar a minha opinião sobre eles, coisa que nunca havia feito, também, sobre o funk e o psy. E confesso isso sem vergonha alguma (mesmo porque ninguém está me vendo dançar, pois tenham certeza que eu fico ridículo! Sou durão e sem jeito! Risos...), que passei a me interessar pelas músicas de massa baianas e nordestinas, pois as acho envolventes em muitos aspectos, mas não tenho como não perceber a depreciação e agressão que empreendem às mulheres aqui da região e que, agora tenho maior certeza, dificilmente é percebido, exatamente pela dificuldade natural do auto-estranhamento, um recurso analítico e técnico próprio da Antropologia.

Como cientista social, um terço sociólogo, outro terço antropólogo e, outro terço, ainda, cientista político, talvez eu tenha contribuído, mesmo sem querer, confesso, para que o povo realizasse – ou iniciasse – o exercício do auto-estranhamento e da auto-reflexão cultural, observando que, na boca (ou, melhor dizendo, nos dedos que digitaram) de um “estrangeiro”, aquelas mesmas expressões utilizadas de forma natural pelos membros integrantes da cultura local, tornaram-se ofensivas, agressivas e depreciativas, ao ponto de se crucificar, apedrejar ou linchar publicamente o agente responsável por este estranhamento, que passa a ser tornar nada mais do que o “agressor”, o que “violou direitos humanos”, quando, na verdade, eles já são violados pelos próprios padrões culturais regionais (no caso as músicas).

Acredito que esse fato tenha a ver com a situação a qual vivencio atualmente. Ao utilizar as expressões “mostrar a bunda”, “chimpanzé doido”, “sensualidade”, “beleza”, “chamar a atenção dos homens”, eu somente reproduzi o que observei nos ritmos musicais locais. Pergunto: qual a diferença entre a expressão “mostrar a bunda” e “empina a bundinha”, que integra a letra da música “Pirulito”, da banda Caldeirão? Ou ainda, a diferença entre o termo “chimpanzé doido” e “macaco louco”, que é título de uma música da banda Feras do Forró? Também há alguma diferença entre as expressões “chamar a atenção dos homens” e “pára de me ligar, que isso me irrita”, ou ainda, “não vou não, posso não, minha mulher não deixa não”?, da banda Aviões do Forró? Veja Ricardo, que isso é somente uma análise antropológica de produções musicais que integram a cultura regional, e fundada na lingüística, sem nenhum desmerecimento ou depreciação das bandas aqui referidas, cujas músicas, relembro, também as vezes danço, como um “chimpanzé doido” e, pior, desengonçado (risos..).


Sobre o tango, também comecei a me interessar recentemente por ele. Na verdade, tenho estranhamente me interessado por música depois de que cheguei a Ilhéus, não sei explicar por qual motivo. Dancei forró, arrocha e axé... Interessei-me por tango... Procurei aulas de violão com um músico do Bataclan (só não comecei ainda, infelizmente, por não ter tempo...). Também comecei a cuidar mais do meu corpo, fazer dieta e academia. Enfim, todas estas coisas são completamente novas para mim, em minha vida cotidiana. Nunca havia me interessado por elas, talvez em virtude do meu isolamento, condição típica do intelectual da academia.

E por falar em isolamento, gostaria de enfatizar o distanciamento que a universidade e a vida acadêmica (bem como tudo o que é produzido aí) possuem diante da massa e da cultura popular. A música pelo menos chega até a massa. A universidade e os acadêmicos, por sua vez, estão demasiadamente distantes dela, numa condição de “privilégio” e “arrogância” diante de um povo com necessidades de apoio da classe dos intelectuais. Essa condição, como acadêmico que sou sempre me incomodou bastante. Nunca suportei diferenças, pessoas que querem se diferenciar pelo título, por nível de renda, por nome de família, por cor, gênero, beleza, raça, etc., etc. Considero, talvez ingenuamente (ou com “infantilidade”, plagiando você Ricardo, permita-me), que todos devam ser iguais, e por isso, trato a todos por igual também (ou pelo menos tento). Evito falar que sou doutor, exatamente pelo simbolismo de diferença que está presente neste título. Digo isso em sala de aula e meus alunos podem confirmar. Doutorado nada mais é do que um trabalho de pesquisa a mais. Acredito que muitos trabalhadores braçais e muitos agricultores deveriam também ser chamados de doutores, pelo tanto que conhecem de suas técnicas. Mas a sociedade, infelizmente, é injusta e estipula poder simbólico às atividades humanas.

Por fim, na condição de acadêmico, ou seja, como alguém de dentro da universidade, gostaria de revelar o seguinte para o povo: uma das maiores frustrações dos intelectuais é a de não conseguirem atingir a massa (principalmente o consumo de massa) com as suas produções, diferentemente do que ocorre com as músicas populares e massificadas, que atendem aos “gostos de classe” e aos “estilos de vida” ou o “habitus” dessa mesma massa, plagiando também o sociólogo Pierre Bourdieu (é o segundo plágio já, espero que não impliquem comigo por isso... risos).

Dessa forma, fico me questionando: será que se o meu comentário sobre a música e as mulheres fosse feito na ponderação e na linguagem rebuscada da academia, sem a utilização das expressões análogas às das músicas populares, ela ganharia a repercussão que ganhou na imprensa e na sociedade baiana? Eu teria conseguido levantar publicamente essa questão importante, e que diz respeito ao povo? Teria conseguido gerar, mesmo que minimamente, certa conscientização sobre o fato? Estou convencido que não, pois muitos intelectuais com doutorado e pós-doutorado invejam o impacto com o que certas produções culturais de baixa qualidade estética e artística conseguem atingir a massa. Veja-se, por exemplo, o caso da Bruna Surfistinha... Tenho uma amiga que é acadêmica e doutoranda em letras pela UNESP, e que está escrevendo um livro sobre as suas experiências sexuais, meio que imitando Bruna Surfistinha, para conseguir fazer com que a massa dê atenção às suas produções. Em outras palavras, só tornando-se massificada ela acredita que conseguiria ser vista pelo povo. E, cada vez mais, acho que ela tem razão...

Há um seminário de Ciências Sociais que está sendo organizado pela UESC, a ocorrer no início de dezembro, e que tratará de diferenças e desigualdades. Mas ninguém da massa ou do povo (as lideranças comunitárias, os movimentos sociais, os representantes das religiões de maior representatividade local, como o candomblé e as igrejas evangélicas, por exemplo) foi sequer chamado para manifestar suas opiniões dentro da UESC, apesar da minha insistência para que isso ocorresse. Além disso, aposto que a massa e a comunidade local do sul da Bahia nem sabe da existência desse seminário. Mas, pelo contrário, sabe dos meus comentários no Facebook sobre as músicas e mulheres baianas e nordestinas.

2 comentários:

alvaro disse...

esse é o melhor professor que já tive na UERN.VALEU MARCÃOOOOOOOOOOOO

RENAN MOTTA disse...

o povo que não é capaz de fazer uma auto analise de seus atos e não aceita criticas construtivas a respeito da sua baixa cultura depreciativa,esta condenado a decadencia, pois é impossivel progredir sem mudança, e aqueles que não mudam suas mentes não podem mudar nada !

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