Este texto visa refletir acerca do ser professor. Há poucas semanas foi divulgado o novo PNE (Plano Nacional de Educação) no qual o Ministro da Educação Fernando Haddad apresenta as metas que a serem atingidas nessa segunda década do século XXI. Dentre as principais metas a serem atingidas encontra-se a valorização salarial do professor, que nas palavras do Ministro, será imprescindível, caso queiramos uma educação de qualidade. No mesmo Hipertexto (página da carta capital) um comentarista alertava: “- que tenha a mesma urgência que teve a dos deputados”. Tendo em vista essas digressões, resolvi escrever essa apologia ao professor.
No último dia como estudante do ensino médio, saí da sala com a certeza de que seria tudo, menos professor. As aulas de meu professor de História (in memorian, falecido há um ano), que eu odiava, me deu essa certeza, só que desencadeou o efeito contrário. Recebi uma bolsa do Prouni no primeiro ano de execução do projeto para cursar História e acabei me vislumbrando pela disciplina. O outro vislumbramento ocorreu justamente em sala de aula. Que sensação boa senti ao entrar numa sala de aula e compartilhar o que eu havia aprendido com os que ali estavam presentes. A docência beira a filantropia. Beira, porque as mãos do capitalismo que desencanta tudo em que toca não nos permitem afirmar que ensinar é um gesto humanitário, de auxílio ao próximo.
Não havia escolhido isso pra mim, e minhas impressões (antigas) sobre a profissão ainda me deixavam meio cético quanto seguir a temida carreira. Resolvi seguir no curso, e ver o que dava. Familiares me chamaram a atenção, verbalizando coisas como “- Você não vai mudar o mundo; Você não vai ser o herói da nação”, mas em nenhum momento abri a boca pra dizer isso, só disse que seguiria a profissão da docência. Porém, tal crítica me fez temer se isso não era apenas a síndrome do noviço rebelde, que de início vê a esperança (de Pandora) em tudo e que depois sofre a crise da desilusão provocada pela rotinização da vida profissional . Afora outros fatores como a falta de valorização do professor.
Então transformei minha temerança em um problema a ser conhecido, pra evitar que ela viesse a me conhecer aos poucos e aí desembocar na síndrome do professor mal resolvido com a vida e consigo mesmo (diacho de síndrome de nome grande, uma sigla, por favor: SPMRCVCM...é, num resolveu...). Cheguei a fazer uma pesquisa com uma turma lá da universidade sobre a desilusão do professor, e através de um questionário aplicado a 60 professores, descobrimos que somente 2 estimulam seus filhos a serem professores, e mesmo assim...Bem, isso confirma um fenômeno que deve ocorrer muitíssimo na região no que diz respeito ao curso que a maioria escolhe para cursar na Universidade pública daqui, a UESC. No meu entender, a grande maioria escolhe os cursos de licenciatura (a maioria das vagas ofertadas e de menores concorrências) pela disciplina a ser estudada, e não pela área de atuação. Não é a toa que os cursos da licenciatura possuem uma característica muito forte de bacharelado, pois o seu público se dedica mais à pesquisa de seu campo do saber ao invés de criar núcleos de ensino e outras ferramentas que poderiam aperfeiçoar a educação da região pós-cacaueira.
De quem é a culpa? No trabalho, supúnhamos que não só a valorização salarial é um fator preponderante, mas também a valorização social. Crescemos ouvindo que seremos ou médico ou advogado, aos que conhecem a profissão (e seus ganhos) lembram do engenheiro, mas o professor não é uma profissão apreciada a ponto de se tornar o fetiche do povo. Em que somos diferentes das profissões anteriormente citadas? Lidamos com saúde educacional, direitos e deveres sociais e a engenharia do saber. Exijo toda a pomposidade dedicada aos “doutores” acima citados para os professores também. Simplesmente não somos lembrados pela sociedade como contribuintes para a construção do bem-estar social. Lembra-se que o ensino está uma lástima, que professores são incompetentes, mas não mensuram o quão dispendioso é o trabalho de um professor.
Assim como um médico consulta seus livros para estudar uma cirurgia a ser feita, ou um advogado que debruça-se sobre os seus calhamaços para ter conhecimento das leis e assim saber como agir diante de um tribunal, o professor tem de estar a visitar seus livros, sua biblioteca para renovar, relembrar, re-formar seu conhecimento adquirido na faculdade para que possa em sala de aula transmiti-lo. Aquilo que ele compreende de seu campo de saber é passado aos estudantes que terão de apreender e aprender seus ensinamentos de forma ativa, ruminando o que acabou de saber para efetivação da aprendizagem, ao menos essa seria a situação ideal, mas isso necessariamente não acontece pelo agravante motivo que a diferencia das outras profissões, e a torna, a meu ver, a mais difícil.
O médico não atende de uma só vez todos os seus pacientes, não ouve a queixa de 40 pessoas dentro de seu consultório e não as receita a todos num mesmo raio de voz. Assim como um advogado não houve todos os seus clientes de uma só vez e não tem de levar todos os casos em coletividades, pois cada um tem sua exigência, seu problema. A profissão do professor tem essa característica massificante, lidamos com muitas pessoas ao mesmo tempo. A depender da carga horária, poderemos ter falado ao fim do dia para um público de mais ou menos 200 pessoas, e isso é muito dispendioso.
Nesse sentido, nosso trabalho não é menos importante que o do médico ou do advogado, pois se um cuida da ordem sanitária e o outro dos conflitos gerados pelas relações sociais, nós cuidamos para que se lembre que somos uma humanidade que comunga da constituição dos saberes universais. Que esses saberes transmitidos aos neófitos da sociedade servem para localizá-los dentro do contexto em que vive sua espécie: o sapiens.
A sapiência. Se é isso que nos diferenciam de espécies anteriores, é porque inventamos elementos eficazes para transmitir esses valores constituídos pela humanidade: a escola, a educação e o professor. O professor tem a árdua tarefa de aprender esses valores e ensiná-los àqueles que comporão essa conjuntura humanitária. É triste saber então que o piso salarial do professor no Brasil de 1,020 R$ demorou dez anos a ser firmado legalmente (e mesmo assim não é obedecido pelas prefeituras e os Estados, mesmo já estando o piso salarial em 1,200 R$) e ver deputados votando o seu reajuste salarial astronômico na velocidade da luz...ver que a profissão é abominada por muitos...ver que somos tidos como mártires pelos nossos familiares...ver que toda a sua esperança de mudar, transformar, é abalada por motivos como estes dos deputados, e nesse sentido, faço uma pergunta exclamada pelo meu caro amigo Humberto: eu sou um fracasso?
Dediquei todo meu esforço em todas as aulas que tive o prazer de dar, e ainda sinto por ter abandonado o meu último emprego (lembranças ao pessoal do PROJOVEM). É um desafio pra mim, fazer acontecer a aula perfeita, que você não sente instantaneamente se ela é boa ou não, mas que sedimentada na mente dos estudantes, lhe reconhecece na rua e diz: aquele é um professor. Mais do que isso, é perceber que o desempenho do seu papel promoveu uma mudança, ao menos na cabeça desses estudantes, pelo fato de ter mostrado a eles que conhecer não é um incômodo, é incomodante. Fracassar...creio que professorar não é fracassar, somos a prova concreta de que insistir ainda vai valer a pena, eis a minha convicção que a força do tempo não vai corroer porque não é uma euforia, é uma obstinação.
Dedico este texto a todas as professoras e professores de todo o Brasil que vivenciam cotidianamente a profissão e sentem na pele as dificuldades do ofício, e mesclam a docência com o filantropismo, pois dinheiro nenhum paga esse trabalho.
Escrito por André Andrade
Colaborador do Blog e
Estudante de Ciências Sociais - UESC
No último dia como estudante do ensino médio, saí da sala com a certeza de que seria tudo, menos professor. As aulas de meu professor de História (in memorian, falecido há um ano), que eu odiava, me deu essa certeza, só que desencadeou o efeito contrário. Recebi uma bolsa do Prouni no primeiro ano de execução do projeto para cursar História e acabei me vislumbrando pela disciplina. O outro vislumbramento ocorreu justamente em sala de aula. Que sensação boa senti ao entrar numa sala de aula e compartilhar o que eu havia aprendido com os que ali estavam presentes. A docência beira a filantropia. Beira, porque as mãos do capitalismo que desencanta tudo em que toca não nos permitem afirmar que ensinar é um gesto humanitário, de auxílio ao próximo.
Não havia escolhido isso pra mim, e minhas impressões (antigas) sobre a profissão ainda me deixavam meio cético quanto seguir a temida carreira. Resolvi seguir no curso, e ver o que dava. Familiares me chamaram a atenção, verbalizando coisas como “- Você não vai mudar o mundo; Você não vai ser o herói da nação”, mas em nenhum momento abri a boca pra dizer isso, só disse que seguiria a profissão da docência. Porém, tal crítica me fez temer se isso não era apenas a síndrome do noviço rebelde, que de início vê a esperança (de Pandora) em tudo e que depois sofre a crise da desilusão provocada pela rotinização da vida profissional . Afora outros fatores como a falta de valorização do professor.
Então transformei minha temerança em um problema a ser conhecido, pra evitar que ela viesse a me conhecer aos poucos e aí desembocar na síndrome do professor mal resolvido com a vida e consigo mesmo (diacho de síndrome de nome grande, uma sigla, por favor: SPMRCVCM...é, num resolveu...). Cheguei a fazer uma pesquisa com uma turma lá da universidade sobre a desilusão do professor, e através de um questionário aplicado a 60 professores, descobrimos que somente 2 estimulam seus filhos a serem professores, e mesmo assim...Bem, isso confirma um fenômeno que deve ocorrer muitíssimo na região no que diz respeito ao curso que a maioria escolhe para cursar na Universidade pública daqui, a UESC. No meu entender, a grande maioria escolhe os cursos de licenciatura (a maioria das vagas ofertadas e de menores concorrências) pela disciplina a ser estudada, e não pela área de atuação. Não é a toa que os cursos da licenciatura possuem uma característica muito forte de bacharelado, pois o seu público se dedica mais à pesquisa de seu campo do saber ao invés de criar núcleos de ensino e outras ferramentas que poderiam aperfeiçoar a educação da região pós-cacaueira.
De quem é a culpa? No trabalho, supúnhamos que não só a valorização salarial é um fator preponderante, mas também a valorização social. Crescemos ouvindo que seremos ou médico ou advogado, aos que conhecem a profissão (e seus ganhos) lembram do engenheiro, mas o professor não é uma profissão apreciada a ponto de se tornar o fetiche do povo. Em que somos diferentes das profissões anteriormente citadas? Lidamos com saúde educacional, direitos e deveres sociais e a engenharia do saber. Exijo toda a pomposidade dedicada aos “doutores” acima citados para os professores também. Simplesmente não somos lembrados pela sociedade como contribuintes para a construção do bem-estar social. Lembra-se que o ensino está uma lástima, que professores são incompetentes, mas não mensuram o quão dispendioso é o trabalho de um professor.
Assim como um médico consulta seus livros para estudar uma cirurgia a ser feita, ou um advogado que debruça-se sobre os seus calhamaços para ter conhecimento das leis e assim saber como agir diante de um tribunal, o professor tem de estar a visitar seus livros, sua biblioteca para renovar, relembrar, re-formar seu conhecimento adquirido na faculdade para que possa em sala de aula transmiti-lo. Aquilo que ele compreende de seu campo de saber é passado aos estudantes que terão de apreender e aprender seus ensinamentos de forma ativa, ruminando o que acabou de saber para efetivação da aprendizagem, ao menos essa seria a situação ideal, mas isso necessariamente não acontece pelo agravante motivo que a diferencia das outras profissões, e a torna, a meu ver, a mais difícil.
O médico não atende de uma só vez todos os seus pacientes, não ouve a queixa de 40 pessoas dentro de seu consultório e não as receita a todos num mesmo raio de voz. Assim como um advogado não houve todos os seus clientes de uma só vez e não tem de levar todos os casos em coletividades, pois cada um tem sua exigência, seu problema. A profissão do professor tem essa característica massificante, lidamos com muitas pessoas ao mesmo tempo. A depender da carga horária, poderemos ter falado ao fim do dia para um público de mais ou menos 200 pessoas, e isso é muito dispendioso.
Nesse sentido, nosso trabalho não é menos importante que o do médico ou do advogado, pois se um cuida da ordem sanitária e o outro dos conflitos gerados pelas relações sociais, nós cuidamos para que se lembre que somos uma humanidade que comunga da constituição dos saberes universais. Que esses saberes transmitidos aos neófitos da sociedade servem para localizá-los dentro do contexto em que vive sua espécie: o sapiens.
A sapiência. Se é isso que nos diferenciam de espécies anteriores, é porque inventamos elementos eficazes para transmitir esses valores constituídos pela humanidade: a escola, a educação e o professor. O professor tem a árdua tarefa de aprender esses valores e ensiná-los àqueles que comporão essa conjuntura humanitária. É triste saber então que o piso salarial do professor no Brasil de 1,020 R$ demorou dez anos a ser firmado legalmente (e mesmo assim não é obedecido pelas prefeituras e os Estados, mesmo já estando o piso salarial em 1,200 R$) e ver deputados votando o seu reajuste salarial astronômico na velocidade da luz...ver que a profissão é abominada por muitos...ver que somos tidos como mártires pelos nossos familiares...ver que toda a sua esperança de mudar, transformar, é abalada por motivos como estes dos deputados, e nesse sentido, faço uma pergunta exclamada pelo meu caro amigo Humberto: eu sou um fracasso?
Dediquei todo meu esforço em todas as aulas que tive o prazer de dar, e ainda sinto por ter abandonado o meu último emprego (lembranças ao pessoal do PROJOVEM). É um desafio pra mim, fazer acontecer a aula perfeita, que você não sente instantaneamente se ela é boa ou não, mas que sedimentada na mente dos estudantes, lhe reconhecece na rua e diz: aquele é um professor. Mais do que isso, é perceber que o desempenho do seu papel promoveu uma mudança, ao menos na cabeça desses estudantes, pelo fato de ter mostrado a eles que conhecer não é um incômodo, é incomodante. Fracassar...creio que professorar não é fracassar, somos a prova concreta de que insistir ainda vai valer a pena, eis a minha convicção que a força do tempo não vai corroer porque não é uma euforia, é uma obstinação.
Dedico este texto a todas as professoras e professores de todo o Brasil que vivenciam cotidianamente a profissão e sentem na pele as dificuldades do ofício, e mesclam a docência com o filantropismo, pois dinheiro nenhum paga esse trabalho.
Escrito por André Andrade
Colaborador do Blog e
Estudante de Ciências Sociais - UESC
4 comentários:
Grata André pela homenagem rs
Docente há alguns anos tenho amor ao meu trabalho, mas creio que nós recuamos muito diante da valorização estúpida e discriminatória de algumas profissões. Valor estes dados por indivíduos imediatistas(ou capitalistas?) que não percebem que para formar cidadãos necessita de um projeto não só intelectual, mas principalmente humano/moral. Você foi muito feliz nas comparações - pais e sociedade exigem doutores, mas não conduzem um homem a sê-lo, isto vai além de um diploma.
Grato pelo comentário, é sempre bom achar pessoas que vivenciam as palavras rs.
André Andrade
Colega,
assino em baixo do que você disse. Sou professora, gosto de ser, mas fico triste quando penso que para ganhar um pouco mais necessito trabalhar horas a fio para garantir um pouco de conforto. Vejo a mercantilização da educação, cada dia surgem mais escolas privadas, universidades privadas. O próprio governo abre espaço para o aumento de FACULDADES, é quem deprecia os profissionais da educação e faz críticas ferrenhas a todo o sistema. Parabéns pelo comentário.
Em MG não temos o piso e podendo ter no máximo 2 cargos públicos acontece dos professores de Sociologia pegarem pouquíssimas aulas, resultando em valores menores que o salário mínimo no fim do mês! Vc falou bem, nosso trabalho beira a filantropia... Parabéns pela reflexão!
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