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quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Parabólica Cultural - ERECS 2010: um relato etnográfico.


      O I Encontro Regional dos Estudantes de Ciências Sociais foi realizado no Maranhão, na capital São Luís, dias 21/04/2010 a 25/04/2010.
      A Comissão Organizadora composta pelas Universidades federal e estadual daquele estado planejou e criou o evento, escolhendo como tema central  o “Bumba meu Nordeste”: desenvolvimento regional e processos democráticos. De fato, o primeiro encontro pós-separação das regiões norte e nordeste, antes eventos como este eram realizados em conjunto até 2009, depois disso, cada região passou a realizar o seu próprio encontro.
      Os alunos de Ciências Sociais da Bahia marcaram presença em um número considerável. As Universidades Federais de Salvador, do Recôncavo e a do Vale do São Francisco, cederam ônibus aos alunos, facilitando aos mesmos a chegada tranquila no evento. A UESC, única instituição estadual que oferece o curso, não procedeu da mesma forma com seus alunos. Antes, a instituição concedeu passagens de ida e volta para a capital baiana. A partir de Salvador, os alunos, que já haviam feito acertos prévios com os colegas da UFBA, seguiram juntos no mesmo ônibus até a capital do Maranhão, onde como já dissemos, aconteceria o encontro.
      Quais experiências tal viagem proporcionou? Contato direto com outra realidade cultural, crenças, costumes, estrutura social e simbólica? O que se pode constatar daquilo que Mauss, grande teórico da escola francesa de Ciências Sociais afirma em seu livro Sociologia e Antropologia? “Toda cultura pode ser considerada como um conjunto de sistemas simbólicos”.
     Pela oportunidade de observar esses sistemas, a viagem em si foi muito proveitosa, propiciando aquilo que Ruth Cardoso antropóloga e organizadora do livro “A aventura antropológica   chama de: observação participante, contato direto com a cultura, enriquecendo e dinamizando a formação do estudante de Ciências Sociais, contribuindo para uma formação ampla e também para o conhecimento empírico.
      Em nossa rápida estadia naquela região, fomos até a cidade de Raposa, 15 km da capital maranhense, São Luís, emancipada há aproximadamente 15 anos.   Ali o principal meio de subsistência é a pesca artesanal, isto remete à origem da cidade, que segundo informações do presidente da Associação de Turismo, foram colonizados por pescadores cearenses, os primeiros a chegarem ao local.
      Na estrutura da pequena cidade de Raposa pude perceber três elementos fundamentais para manutenção da coesão social: a fé, o esporte e o trabalho. Naquela cidade existe uma ilha, onde os cearenses realizavam a pesca e todas as vezes que eles se dirigiam a Ilha para realizar seu trabalho, construíam um rancho. Mas, ao deixarem o lugar que exercem sua atividade profissional, as dunas de areia o cobriam, quando retornavam interrompiam suas atividades para a construção de um novo rancho.
       Foi realizado aí o fato que culminaria na criação do mito. Segundo o grande historiador das religiões, Eliade em seu livro “Mito e Realidade”, “os mitos referem-se às origens”. Pouco tempo depois ao voltarem à Ilha, perguntaram-se: onde iremos levantar o rancho? Respondem: onde a raposa morreu. Assim, a Ilha foi denominada: Ilha da Raposa.
      Na última noite do evento houve uma apresentação cultural marcante, dotada de simbolismos e significados, o famoso “Bumba Meu Boi”. Esse acontecimento de aspecto cultural envolvente e encantador propiciou-nos aquilo que Geertz chama em seu livro “A Interpretação das Culturas” de descrição densa. Em sua estrutura, suas vestes e disposição, percebe-se a hierarquia, o respeito aos anciãos. Estes levam nas cabeças uma enorme “parabólica cultural”. Denomino dessa forma por me parecer, que os idosos simbolicamente, buscam captar energias, trazendo-as para dentro do círculo onde as atividades são realizadas.
      Participam também jovens e crianças com indumentárias cobertas de penas, em seguida surgem os mascarados com suas fantasias repletas de símbolos cosmológicos. No centro, o boi, símbolo maior dessa representação cultural, permeado de adoração pelos membros do grupo. Não faltam, é claro, os responsáveis por entoar os cânticos.
       Buscando compreender os símbolos, aproximei-me de uma anciã, que se destacava pela expressão e comportamento, sempre de olhos fechados e muito concentrada. Perguntei a ela o que representava o relógio em uma das fantasias alegóricas. Ela sorrindo disse: “é pra marcar o tempo que a gente vai brincar”, depois de falar isso sorriu novamente. Mas percebi que o relógio não marcava a hora em que estávamos vivendo, falei com ela: a senhora esta me escondendo o segredo do tempo? Sorrindo ela me respondeu que sim.
      Foi uma experiência rica e motivadora, quando pensamos em um dos papéis do cientista social, a observação e a leitura das evidências simbólicas presentes na sociedade.
      Outra experiência marcante foi uma visita que fizemos à Praia de Araçagi, aos arredores de São Luís, 10 km aproximadamente. Alguns podem pensar: o que uma visita à praia poderia trazer de riqueza científica, ou debate sobre a sociedade posta? Mas diferentemente das praias baianas, as pessoas ali no litoral maranhense tem uma prática no mínimo curiosa e dotada de valores subjetivos. Pelo menos naquela praia, observamos que todos os que possuem carros, os colocam estacionados ao lado da mesa onde estão sentados, prática não muito comum nessa parte de cá do Atlântico.
       Do ponto de vista sociológico são levantadas algumas questões. O que essas pessoas buscam com tal postura? Seria posicionamento social? Demonstração de poder aquisitivo? Ou quem sabe ressaltar sua posição dentro da pirâmide social? Assim posto, é válida a investigação para as motivações que os levam a agir assim. Alguns poderiam opinar que: assim o fazem para ouvir som, ou por segurança, talvez para que não houvesse furto de seu bem. No entanto, depois de uma breve análise, parecia realmente uma questão de auto-afirmação, a busca de demonstração do seu poder aquisitivo.
      Na avaliação final do evento na UFMA (Universidade Federal do Maranhão), foram deliberadas e votadas algumas ações, entre elas a formação das comissões que iriam compor o CRECS (Coordenação dos Estudantes de Ciências Sociais), composta por cinco comissões: política, comunicação, finanças, cultura e secretaria. Ali, foram decididas quais as funções a serem desempenhadas por cada uma dessas comissões.
      Através da presença dos nossos representantes ali, nossa universidade está fazendo parte dessa coordenação, na comissão de cultura, que tem o objetivo de criar um tema em conjunto com as universidades federais de Pernambuco e do Rio Grande do Norte, que será indicativo para a calourada de todos os cursos de Ciências Sociais do Nordeste. Ainda nessa reunião foi estabelecido que o próximo ERECS, será em Pernambuco. E que ainda este ano haverá o CORECS (Conselho Regional dos Estudantes de Ciências Sociais), evento este que acontecerá em Sergipe, com data ainda a ser definida.
      Numa síntese da pluralidade de experiências vividas e sentidas proporcionadas pelo ERECS, de forma sintética e resumida: o evento permitiu contato direto com a cultura maranhense, é verdade que essa é uma leitura ainda que aprendiz da realidade social e simbólica. Proporcionou-nos o diálogo com discentes nordestinos, nos mostrou outras idéias, culturas e visão de mundo. O evento foi rico em significado simbólico e expansão de horizontes, onde o exótico tornou-se aos poucos familiar.

Escrito por Emanuel Luz
Aluno da 1ª turma de Ciências Sociais da UESC
                       
             


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