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domingo, 12 de setembro de 2010

Um rito passageiro

Em muitos povos, para não dizer em todos, sempre ocorrem rituais de passagem: nascimento, morte, casamento, despedidas. Os rituais geralmente são precedidos de um tempo de preparação, de afastamento, clausura. É certo que não é de um momento para outro que você virou adulto, homem, mulher, universitário ou participante de alguma religião, mas algo marca ou celebra que você não é mais o que era e é o que é agora. Como disse é um processo: nove meses para nascer, alguns anos para sair do ensino médio e entrar na faculdade, algumas experiência para a consolidação do casório.

Algumas passagens são individuais, como quando você faz uma tatuagem e então já considera uma fase da sua vida como passada ou passagens coletivas, tipo uma festa de formatura.

Talvez, por nossa sociedade não ter bem marcado esses rituais, nos deparamos com a famosa expressão: “Parece que foi ontem que entrei na escola e hoje já estou me formando.” Existe uma frase de Ricardo Gondim, que fala: “Não é que a vida é muito curta, é que demoramos demais para começar a vivê-la.” Vejo os rituais, não como uma oportunidade de se chorar pelo o quê foi embora, mais de receber a dádiva vindoura. Fecham-se ciclos e iniciam-se outros.

Engraçado, como na maioria das vezes você se prepara para algo que não sabe bem ao certo o quê é e como será. Por mais que você lesse ou conhecesse sobre ciência sociais, sabia que o curso iria ser desse jeito? Provavelmente não. Frustrações, acertos, mas tudo improviso. Por mais que outros já tenham passado por tal experiência e te deem conselhos e relatem suas aprendizagens, seu ritual será único e pessoal. E isso não é conversa de autoajuda, é uma tentativa de leitura antropológica sobre os nossos rituais que parecem estar cada vez mais passageiros. Não, não foi um trocadilho barato, mais um esforço de reflexão sobre onde queremos chegar e como temos feito isso. Mal entramos na faculdade e já estamos querendo sair, mal chegamos na casa de alguém e o anfitrião já pergunta quando vamos embora. É a antecipação do final que não foi celebrado.

Não me recordo agora, e me perdoem por isso, do nome de tribos em que na passagem da adolescência para o estado adulto, os iniciantes ficam fechados em cômodos por certo período. Certamente uma preparação, como dito acima. Talvez, eles pensem no que já foi vivido e projetam o que virá, de forma consistente e concisa. É um caminho sem volta, que na maioria das vezes carimba uma série de responsabilidades e deveres que outrora eles não tinham. E mais, é a demostração aos demais de que você agora é capaz de assumir tal posto, pois agora você tem nova postura sob um apanhado de coisas e experiências. Observem que não estou aqui delineando o que virão a ser tais responsabilidades ou quando se é ou não maduro para tal, pois em cada contexto e sociedade isso já está “moldado”. Estou apenas elucidando a passagem em seus vários rituais. Creio importante também, lembrar daqueles que nos ajudaram nessa passagem. De forma positiva ou não. Para que a passagem ocorra, é preciso que coisas boas e não tão boas ocorram, afinal para que se nasça, alguém teve que sofrer as dores do parto.

E se notarmos bem, temos infinitos rituais, em vários momentos. Todo dia, no ciclo do sol, nas idas e vindas aos lugares, nos encontros, despedidas e reencontros, nas provas que vão fechando as notas, nos semestres que vão encerrando a graduação. Mal começamos e já terminamos um semestre. E como terminamos? Se sente preparado e com a certeza de que um ciclo foi fechado, um ritual findado? Se sente um ser humano melhor, que completou uma fase aproveitando todas as oportunidades que teve? Oportunidade de questionar, argumentar, lutar e tentar? Rituais de passagens nos preparam para algo melhor. Sente-se assim? O tempo para a preparação nos é dado e com ele algumas ferramentas. O que nos resta é saber usá-las e usá-las de forma intensa.

A omissão e a passividade com certeza não são boas ferramentas, até porque com elas não saímos de onde estamos e por conseguinte não passamos a lugar algum. Não são elas que mostram aos demais que somos capazes de algo mais. Todo rito requer coragem, aliás na maioria dos ritos de passagem é exatamente isso que se quer passar, a segurança de que você tem coragem para essa nova vida, nova etapa. É coragem para sustentar as consequências que virão na próxima esquina. Consequências das suas escolhas e do novo ciclo. Vale ressaltar que essa demostração é algo individual. Você que mostra sua coragem, seu caráter, seu valor.

E lembre-se não há como fugir dos rituais. Eles podem ocorrer cedo, tarde, com muita, pouca ou nenhuma qualidade. Isso depende de como você encara a situação ou melhor, de como você atravessa tudo isso. Eu espero que com qualidade. E como a vida sempre nos é generosa, ela vai sempre nos dando nova chance. Se sua passagem de ontem para hoje não foi tão boa, amanhã provavelmente terá uma nova chance. Semestre termina e um novo outro se inicia.

Que se possam respeitar os símbolos, a liturgia, os inciados, a passagem em si, as experiências de quem ainda vai e de quem já passou, sabendo o que se está fazendo e fazendo com qualidade, senão ao invés de sujeitos da própria historia, curso e aprendizagens, seremos meramente passados.

Escrito por Nádia dos Santos Aguiar
Formada em História pela UESC
Adotada pela turma de Ciências Sociais da UESC
Aluna especial do Mestrado em Antropologia da UFSC.


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